quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Campanha 28 de Setembro pela Despenalização do Aborto na América Latina e Caribe

Porto Alegre, 16 de setembro de 2009.

Chega de violações dos nossos direitos” é a chamada da Campanha 28 de Setembro - Dia pela Despenalização do Aborto na América Latina e Caribe. A campanha é impulsionada pela coordenação regional sediada na Nicarágua e apoiada pela Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe – RSMLAC e pela Rede Feminista de Saúde. Nessa quarta-feira, 15, a coordenação encaminhou o Manifesto de 2009. O documento traz um conjunto de avanços, ameaças e retrocessos quanto ao direito à interrupção voluntária da gravidez na região, mostrando que os Estados na maioria dos casos não vêm assumindo o compromisso de garantir a possibilidade das mulheres exercerem sua sexualidade e reprodução com autonomia. E denuncia que setores conservadores continuam agindo livremente, com a conivência de muitos governos, para impedir o acesso de adolescentes, jovens e mulheres adultas à educação sexual, a todos os métodos contraceptivos e ao aborto seguro. No Brasil esta campanha é coordenada pela Rede Feminista de Saúde, sendo sediada no Instituto Mulheres pela Atenção Integral à Saúde – IMAIS, em Salvador, Bahia.

Abaixo a íntegra do Manifesto da Campanha:

Campanha 28 de Setembro pela Despenalização do Aborto na América Latina e Caribe

Ponto Focal Brasil – IMAIS/Rede Feminista de Saúde


Luzes e sombras em 2008 - 2009

Milhões de mulheres em todo o mundo continuam a sofrer graves lesões e traumas, e mais de 66.000 morrem a cada ano em abortos inseguros, outras são criminalizadas ou presas.

A América Latina e Caribe é o cenário de mudanças importantes no campo dos direitos humanos, com especial atenção aos direitos sexuais e direitos reprodutivos, que estão sendo promovidos principalmente por organizações feministas da região.Compartilhamos os esforços que as mulheres e associações da sociedade civil em cada país realizam visando tornar definitivos os avanços em direitos já reconhecidos.Ao mesmo tempo denunciamos RETROCESSOS em nossa região, consequência da pressão de grupos religiosos fundamentalistas e da complacência da maioria dos governos que se curvam à Igreja Católica e lideranças evangélicas, ignorando os mandatos constitucionais e sua própria cidadania.

Tomando em conta o Chamado à Ação da Campanha 28 de Setembro de 2008, observamos que no último ano:

Houve iniciativas de reforma legal para mudar as legislações nacionais a fim de incorporar novas razões e novos prazos para permitir abortos não puníves: Argentina. Ao mesmo tempo, estas iniciativas tem sido obstaculizadas, suspensas ou suprimidas, sob o argumento da defesa da vida do nascituro, à qual é dada a supremacia em relação às mulheres.A mudança nos códigos penais e constituições nacionais tem sido aproveitada pelos setores mais reacionários para proibir o aborto não punível, ou ameaçar com mudanças na legislação para mais restritiva: Nicarágua. Também se pretende estender as proibições à fertilização in vitro, pílulas anticoncepcionais de emergência e "consagrar" a proteção do direito à vida desde a concepção até a morte natural: República Dominicana.Algumas adolescentes com deficiência, grávidas em razão de estupros, têm sido autorizadas a interromper da gravidez. No entanto, na maioria dos casos, a autorização foi recusada ou adiada, para que se tornasse impraticável.Juízes e juizas têm aprovado a interrupção da gravidez em casos de extrema necessidade, argumentando em favor dos direitos adquiridos pelas mulheres. Em vários casos, outros negaram os pedidos, mas têm enfrentado processos por prevaricação e violação de direitos, até por desconhecimento da legislação em vigor: Argentina.Médicas e médicos têm demandado o Congresso a legislar positivamente para não se sentir impotentes ou ameaçados quando fazem um aborto não punível. Outros foram perseguidos por se recusar a realizar um aborto terapêutico no caso de extrema necessidade.Em alguns lugares os tribunais ratificaram o direito de profissionais de saúde que atendem mulheres por complicações abortos inseguros a não notificar obrigatoriamente as autoridades, protegidos pelo sigilo profissional. Outros/as violaram os direitos daquelas que foram ao seu consultório, interrogando e acusando as mulheres como criminosas: Nicarágua.Protocolos para atendimento ao aborto não punível e padrões de cuidados de emergência para reduzir as complicações de abortos inseguros foram aprovados. Ao mesmo tempo, a redução dos orçamentos de saúde e as muitas deficiências dos sistemas públicos, permite que amplo abuso e discriminação de mulheres atendidas por aborto.Milhares de mulheres da região têm apoiado campanhas nacionais e continuaram a exigir o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, a ampliação de prazos e motivos para a interrupção da gravidez, a não judicialização dos serviços médicos, muitos dos quais fazem interpretações restritivas e põem dificuldades e barreiras não previstas pela legislação.A maioria dos países da região assinou a Declaração Ministerial da Cidade do México "Prevenir através da educação", um compromisso de implementar políticas e programas de educação sexual. Enquanto isso, os legisladores em vários países centro-americanos assinaram o livro "Sim à Vida", que visa criar uma opinião pública sobre a proteção da vida do nascituro; apesar de ser uma iniciativa dos chamados grupos pró-vida, legisladores de esquerda também o assinaram, como em El Salvador.Por grande maioria, a Suprema Corte de Justiça do México declarou a constitucionalidade da legislação que permite a interrupção legal da gravidez na Cidade do México desde abril de 2007. Dessa maneira ficaram sem efeito as demandas dos grupos pró-vida.Comitês de Bioética na região elaboraram argumentos para sustentar a tese da interrupção da gravidez nos serviços públicos. Enquanto em outros países, esses comitês têm servido para promover a posição fundamentalista contra os direitos das mulheres, fazendo com que o setor médico fique paralisado.A ONU aceitou petições de organizações de mulheres e emitiu resoluções que responsabiliziam os Estados por negar o acesso ao aborto não punível como uma violação dos direitos humanos. Em outros casos, o tempo para responder às alegações expirou sem chegar a uma resolução de alto nível.Altas instâncias judiciais têm se pronunciado em favor da distribuição da pílula anticonceptiva de emergência, como o Conselho de Estado na Colômbia. No entanto, outras altas autoridades consideraram que o medicamento é abortivo e, portanto, o proibiram: Tribunal Constitucional do Chile, Câmara Civil e Comercial de Córdoba, Argentina.A Anistia Internacional se manifestou contra a perseguição política das líderes feministas que denunciaram a eliminação do aborto terapêutico na Nicarágua e sobre a proibição do uso da pílula contraceptiva de emergência no Chile, pois afetaria a taxa de abortos clandestinos o número de mortes causadas por abortos.A aprovação do aborto não punível por prazos e causalidades como no México e na Colômbia permitiu que milhares de mulheres conseguissem ser atendidas no sistema público. Ao mesmo tempo, foi necessário que as organizações feministas se esforçassem arduamente para garantir o acesso das mulheres a esses serviços, devido às múltiplas barreiras que o próprio sistema público coloca.Audiências Públicas foram palco onde as mulheres feministas da região tiveram a oportunidade de exercer a defesa do direito do aborto, ao aborto em situações extremas, da dignidade e o respeito pelos direitos fundamentais das mulheres, a liberdade de consciência e o respeito o Estado laico: Brasil e México.Um projeto de Tratado Jurídico (Concordata) entre o Governo e o Vaticano enviado pelo Presidente do Brasil foi aprovada pela Câmara dos Deputados e enviado ao Senado para conceder privilégios à Igreja Católica. Enquanto isso, mais de mil mulheres de Mato Grosso do Sul estão sendo vitimados pela criminalização do aborto, pois a polícia apreendeu os registros médicos, as interrogou e iniciou processo penal de caráter massivo por terem sido tratadas em clínica privada, há vários anos. Essas mulheres têm negociado penas, em troca de serviços gratuitos em creches, para que “aprendam a ser mães”.O Senado e a Câmara dos Deputados do Uruguai aprovaram projeto de lei de Defesa da Saúde Sexual e Reprodutiva, no entanto, a sessão da Assembléia Geral do Parlamento não levantou o veto imposto pelo Executivo ao projeto, evidenciando a falta de respeito com os aos cidadãos, que rejeitaram o veto presidencial em 63%.Em países onde o Estado laico é um mandato constitucional, cardeais, bispos e líderes evangélicos continuam a pressão e ameaçam excomungar os líderes políticos que legislam em favor das mulheres: Uruguai e Nicarágua.Na América Latina, entre 20% e 30% das gestações e de óbitos maternos continuam ocorrendo em mulheres adolescentes, resultado das deficiências da educação sexual nas instituições formais, a sua falta de autonomia para evitar o sexo sem risco e violência sexual: Nicarágua, Bolívia, Venezuela.Pela primeira vez na sua história, a Anistia Internacional publica uma declaração especial e lança uma campanha internacional que denuncia a proibição total do aborto na Nicarágua, com ênfase sobre a vida e a saúde das mulheres em situação de risco e exigindo proteção para profissionais de medicina que estão sendo criminalizados.

Chamado à Ação

Chega de violações aos nossos direitos

· Para que seja efetiva a separação das decisões de estado de toda a influência religiosa é essencial um Estado Laico.

· Para a eliminação de todas as formas de discriminação, é urgente a respeitar a vigência dos direitos sexuais e direitos reprodutivos de todas as pessoas.

· Devido à irresponsabilidade masculina, causa básica da maioria das gestações não planejadas, os homens devem assumir o compromisso cidadãos quanto à sua sexualidade e reprodução.

· Pelo acesso universal aos serviços de saúde sexual e saúde reprodutiva integral, assim como à mais ampla variedade de métodos contraceptivos seguros.

· Pelo acesso a serviços de saúde de qualidade e ao aborto legal e seguro legal, como condição necessária para reduzir a mortalidade e morbidade materna.

· Pela existência de políticas integrais não assistencialistas para reduzir a mortalidade e morbidade, orientadas pelos direitos humanos.

· Pelo reconhecimento de adolescentes e jovens como sujeitos de direitos, para que tenham oportunidades que lhes permitam tomar decisões livres, responsáveis e informadas.

· Pela garantia do livre exercício da sexualidade, o acesso à educação sexual, informação e acesso à contracepção segura para adolescentes e jovens.

· Pela a erradicação de todas as formas de violência contra as mulheres, contemplando a relação de violência sexual e HIV/Aids e acesso ao aborto voluntário nestas situações.

· Pelo fim às ameaças de líderes religiosos contra funcionários e funcionárias públicas .

· Pela erradicação da obediência religiosa dos legisladores e dos legisladoras, juízes e políticos.

· Pelo direito à informação e aos meios para evitar a gravidez indesejada e acesso à atenção adequada ou tratamento para preveni-los.

· Pela difusão de tecnologias para o aborto seguro para salvar as vidas das mulheres.

· Pelo compromisso dos governos e doadores para que disponham de mais recursos para garantir assistência integral à saúde sexual e reprodutiva, incluindo contracepção e aborto seguro.

· Pela permanente formação médica para o atendimento ao aborto, incluindo enfermeiros, parteiras e outro pessoal de saúde.

· Pela a manutenção do sigilo profissional em relação às mulheres tratadas por complicações do aborto inseguro nos serviços públicos e privados.

· Por uma sociedade que não se cale frente aos abusos contra a liberdade de escolha das mulheres.

· Pelo direito de decidir, pela democracia, liberdade e justiça social e pelos direitos humanos de todas as mulheres.

América Latina e Caribe, 28 de Setembro de 2009